"Ficou excitado com essa conversa? Pensar nesse cenário?", perguntei ao Tomás.
"Muito. E a Minha Dona?"
"Também fiquei. Devíamos escrever para esses sites (de contos)"
Essa ideia agradou aos dois. Era mais uma "primeira vez" juntos, explorando outros terrenos. Nós já tínhamos história pra contar. A nossa. Não era preciso puxar pela imaginação para escrever um conto do zero. O nosso conto era cheio de amor, sexo, tesão, suspense e reviravoltas. Se brincar, dava até um roteiro de novela mexicana.
Começamos a escrever a nossa história, desde o início do nosso reencontro e mandamos a nossa versão um para o outro. Estava sendo muito, muito interessante. Para mim está sendo uma espécie de catarse. Relembrar todos aqueles momentos foi muito bom, até começarem os "episódios"... Cada um deles foi sendo mais difícil de relembrar mas foi bom ao mesmo tempo. Precisava daquilo. Ainda estou percorrendo a nossa história para tentar perceber o que ele sente por mim, o que me faz estar tão presa a uma pessoa que tem se esquivado de mim ultimamente. O Tomás tem muita culpa no cartório. Ele incentivou e libertou a romântica que vivia de castigo no porão (devido a leves insuborninações cometidas no passado). O final feliz já foi-lhe arrancado do peito, mas ela agora procura se manter viva alimentando-se apenas de sentimentos. É o modo de sobrevivência que faz com que nos adaptemos a novas realidades. Na selva, em condições extremas, sobreviventes se adaptam a rações fracionadas. Talvez seja isso que esteja a acontecer com ela. Ela quer (sobre)viver, seja da maneira que for (possível).
Essa sobrevivência se manifestou também em outros modos.
Eu comecei a procurar alguém para poder tirar o foco do Tomás. Por sugestão de uma amiga, entrei num desses aplicativos de relacionamento. A minha vontade era "tanta" que precisou da ajuda dela para escolher alguém. Alguns apareceram como "par". Mantenho conversa com um deles, justamente o que no seu perfil dizia "sou muito sincero". Era o que eu estava precisando, mas na verdade precisava que o Tomás fosse sincero comigo, mas que fosse uma sinceridade compatível com o que eu queria ouvir: que (também, tudo bem) me ama, que não consegue me esquecer nem quer "terminar" comigo, que quer manter o que nós temos.
Essa pessoa com quem comecei a falar é completamente safada e não faz questão de esconder. Ele logo se interessou por mim. Disse que eu sou uma pessoa muito bonita, inteligente, interessante e que lhe dava tesão.
Eu apenas queria ter com quem falar, já que o Tomás estava me abandonando. Não tinha intenção de me encontrar com essa pessoa, muito menos beijar ou ir pra cama. Seria um estupro pra mim. Eu ainda era de outra pessoa e não tinha intenções de deixar de ser. Só queria fazer-lhe ciúmes. Eu queria que ele tivesse ciúmes e viesse me reclamar como sua. O Tomás diz que não tem o direito de ter ciúmes, mas essa relação já é toda aos avessos, onde é que conseguimos arranjar uma ordem? O que é correto? Não havia regras dentro do nosso relacionamento, nem mesmo para ele em si.
Eu estava chegando a um ponto em que estava perdida naquela selva, onde o Tomás havia me deixado sozinha. Antes, eu seguia com o Tomás ao meu lado. Aqueles caminhos de mãos dadas pela minha cidade, por sua cidade e cidades alheias, foram caminhos que tomavam vários rumos, de românticos ao bdsm.
Mas agora, o nosso caminho cujo destino nunca foi certo estava tomando forma. Era um caminho solitário, mas eu não me conformo. Fico nesta selva sobrevivendo como posso, com rações fracionadas até o Tomás me pegar pela mão novamente e seguirmos por um rumo incerto.
O próximo destino: Santos. Imaginei chegando lá de surpresa, pedir uma cerveja ou duas num bar (de preferência irish) e mandar-lhe uma mensagem: "Podemos conversar?" e mandar-lhe a localização. Ele chegaria direto do trabalho, meio suado, camisa social e com a mala do computador à tira-colo. Eu sentada numa mesa de canto, estrategicamente escolhida para que ele me visse.
Imaginei algum outro homem pagando uma bebida pra mim e sentando pra conversar enquanto o Tomás entrava. Queria simular uma cena para fazer-lhe ciúmes. Queria tirar-lhe daquela inanição e vir ao meu encontro com aquele fogo que ele tinha e que eu sentia de longe.
Eu imaginava dois cenários. Num deles, o Tomás chegava ao pé da mesa e eu não me levantava para cumprimentá-lo. A sua feição era de desapontamento e aceitação ao mesmo tempo. "Eu mereço", ele devia ter pensado na hora, baixando a cabeça.
Ele sentava à minha frente e conversávamos um pouco sobre por que ele estava me abandonando, seguido de um tapa de mão cheia de raiva misturada com o papel de dom.
Depois, ele ignorava esse ato de rebeldia e me beijava num outro ato de rebeldia do seu papel de sub. Afinal, temos sérias desconfianças de que ambos somos switchers. Esse beijo seria desconcertante, como qualquer outro seu. Eu perderia qualquer força que tinha e me entregava a ele.
Outro cenário, ele chegava e eu me levantava indo ao seu encontro. Enchia-lhe de beijos sem deixar que desse uma única palavra, levava-o pela mão até o banheiro mais próximo e fazia-lhe um boquete numa das cabines, sugando o que pudesse daquele alimento.
Em ambos os cenários eu não teria ido em vão, não teria xingado e ido embora. Eu só não sei o que realmente ele teria feito. Provavelmente despejado mais uma vez todo aquele discurso de consciência pesada e dito para eu não procurá-lo mais. Essa cena é terminantemente cortada de qualquer final alternativo desse novo papel de autora de contos.
Noutros tempos, a cena do banheiro seria a mais certa. Já ensaiava algo do tipo mas os poucos encontros furtivos que tivemos não deu para concretizar. Eu sempre tinha mais ideias, levava algumas roupas diferentes e sempre achava que tinha uma próxima oportunidade, uma próxima vez. Andava vasculhando no meu interior cheio de tabus e traumas o que seria fetiche para mim, o que eu gostaria de fazer. Acho que uma das coisas seria algo desse tipo. Pelo menos tentar. Esse meu interior agora bagunçado não quer ser arrumado em caixas. Já foi remexido, vasculhado. Eu só queria guardar em caixas, debaixo do tapete ou jogar pela janela o fato de que ele tinha outra. Outra que não era outra. A outra era eu. Como eu odiava isso!! Mas já estava assumindo outros papéis: a de dom, de sub, de switcher, estava me acostumando a isso, às condições de sobrevivência na selva, ao toque de recolher depois das 18h e a meditação do silêncio aos fins de semana.
A menina criada em colégio de freiras estava muito bem acostumada a regras. Essas seriam outras num mundo invertido, pervertido, mas que não deixavam de ser regras.
O que importava eram os seus verdadeiros sentimentos por mim. Se eram os que eu esperava que fossem e que fossem verdadeiros. Isso pra mim, junto com a sua vontade viril de me ver eram suficientes para eu habitar neste novo mundo.
Enquanto eu questionava sobre os seus sentimentos por mim, ele se questionava sobre por que eu ainda o queria.
"Moramos longe, sou casado, não tenho a intenção de deixar de ser..." (uma bofetada)
"Para a gente se encontrar temos que inventar desculpas, você tem que fazer viagens caras.O esforço que você faz é desproporcional ao que posso te oferecer." (Outra bofetada)
"Deveria era te tratar mal, para você ficar com raiva de verdade de mim. Bloquear no zap, face, ignorar nas chamadas telefônicas." (Mais uma bofetada)
Dá vontade de dizer apenas "cala a boca e me beija", depois de EU lhe dar uma bofetada por cada coisa que fala e me magoa.
Eu me sentia morrendo por dentro e sentia o meu Tomás morrer também. Nunca vi-o dar tantas desculpas num curto espaço de texto. Nunca vi-o tratar-me tão friamente com palavras duras como aquelas.
Cecília e Tomás - O (re)encontro
Cecília e Tomás - 5. Testando limites
Cecília e Tomás - 6.Reviravolta