Sabe aquela cena na mesa onde uma pessoa se estica toda para pegar o sal e falta um pouquinho para alcançá-lo? A outra pessoa, sentada mais próximo a ele, poderia dar uma ajudinha. Era só movê-lo 2cm. É essa sensação que tenho aqui em São Paulo. Estou na casa da minha amiga, pensando que o Tomás está a 2cm de mim. É só ele passar o sal, mandar mensagem, dizer que também me quer ver.
Eu vim a São Paulo sem data de volta. Precisava espairecer. Não estava mais aguentando ser forte na frente de todos (por conta da doença da minha mãe e a ausência do Tomás) e precisava mudar de ares. Confesso que já estava sentindo falta das viagens para encontrá-lo também e dessa vez foram as nossas viagens que se encontraram, mas nós não... pelo menos ainda (mesmo com tudo isso, sou esperançosa)
Essa vinda a São Paulo não foi bem planejada. Eu viria para um aniversário de família mas a festa foi cancelada. Decidi vir na mesma e ficar na casa de uma amiga para mudar de ares, mas acordo sem saber o que vou fazer.
Não fiz nenhuns planos, a minha amiga trabalha. Eu trouxe trabalho pra cá mas queria também espairecer. Como não tenho data de volta vou deixando para o dia seguinte alguma coisa que penso em fazer: cinema, teatro, exposição,... Só queria evitar os lugares pelos quais passamos quando viemos pra cá juntos, mas ao mesmo tempo eles me chamam. É como se alguém tivesse passado e deixado o seu perfume. Eu queria ir lá cheirar... Já não sinto o seu cheiro na camisa que o Tomás me deu, mas continuo a vesti-la como se tentasse sentir o seu abraço em mim. Sinto falta do seu toque.
Quando o seu corpo tocou no meu pela primeira vez com 23 anos de atraso uma dança acordou e agora danço conforme a música, inventando várias coreografias.
Só não consigo esquecer o caminho onde o seu corpo andou pelos meus recantos e fico à espera de que ele refaça esses trajetos.
Será que ele ainda reconhece o caminho? Estarei ainda a aparecer no seu mapa? Teria ele uma rota de fuga caso eu aparecesse em Santos?
Isso não saía da minha cabeça. Eu me sinto como uma criança numa loja onde a mãe diz que não se pode tocar em nada. Eu queria vê-lo e tocá-lo.
A vontade de mandar uma mensagem pra ele não diminuía, só aumentava. Eu costumo pensar demais. Penso tanto que a uma certa altura eu perco a paciência por tanto pensar e me jogo de cabeça, sem pensar mais em nada, só seguindo o coração.
Estava duelando entre ele ter dito para eu mandar mensagem quando quisesse e o pensamento "ele não quer me ver".
Parei numa livraria e acabei comprando livros de poesia. Leminski e Magiezi, os meus favoritos. Folheando, encontro mensagens escondidas autorizando-me a fazer o que eu queria.
"Sol-te"
Procuro por mais mensagens escondidas ou um sinal em neon que me dissesse o que fazer. Lembrei-me do chavão que me guia nas loucuras e merdas que faço na vida: "só se vive uma vez".
Ainda pausei por infinitos segundos com a frase na tela.
Ok, Soltei-me Sr. Leminski. Que se foda. Enviei:
"Acho que eu estou virando uma versão beta fajuta da Anaïs Nin".
...
...
O seu toque personalizado parece o de uma tampa de garrafa sendo aberta e caindo no chão. Mais uma garrafa aberta há pouco. As cervejas do St. Patrick ainda pairam no ar...
O Tomás me respondeu de maneira educada e rápida. Deve estar com muito trabalho. Ou foi por educação. De qualquer maneira, limpei os "n"s das últimas conversas, espero eu.
Eu conto esse conto que está sendo escrito em partes para o Tomás através do email. Ele gosta da maneira como escrevo mas acho que não gosta do que escrevo. Diz que é uma história com final triste. Eu não quero acreditar que se chegou ao final. Não sei se faço bem ou mal expondo tão cruamente o que eu sinto e o que eu senti com tudo que já se passou nesses 4 últimos meses, mas mais uma vez, que se foda. Estou abrindo o meu coração em palavras. Talvez seja um defeito meu de fábrica. Prefiro fazer merda do que colecionar mais "what if" na vida. Chegando ao "outro lado" eu acerto as minhas contas de pecado a fiado.
Esse conto está sendo contado quase em tempo real agora. O Tomás tinha escrito a sua versão dos nossos primeiros encontros em simultâneo à minha versão mas não continuou. Eu não consegui deixar de escrever, parece um novo hobby ou uma espécie de catarse.
Não sei o que vai acontecer a seguir, quais são as cenas dos próximos capítulos... mas espero que tenha eu e ele novamente numa mesma cena. E noutra. E mais noutra...
Cecília e Tomás - O (re)encontro
Cecília e Tomás - 5. Testando limites